"Teu ato mais sublime é colocar outro em sua frente." William Blake

domingo, 3 de janeiro de 2010

Ateísmo de parede...

O ateísmo é a religião final. Agarramo-nos ao Nada para fugir do terror e do medo que nos causam o absurdo da vida. Nós, ateus, vivemos a noite eterna dos tempos em que não há som diferente dos gritos de Sísifo: tudo é Trevas, Desespero e Angústia. Não existe qualquer motivo para vivermos, a vida é sem sentido e sem propósito, e não há destroços flutuantes onde se apoiar no imenso mar de sargaço que é a passagem excruciante dos dias. Somos o dejeto de todos os sistemas e explicações, somos o pó sujo e impróprio da fabricação de deuses, somos o sacrifício inútil, a libação passada em branco. Crianças órfãs que somos, procuramos beber de um trago o licor amargo do Esquecimento. Gritamos, no quarto de despejos que nos serve de vida, com medo do escuro, e não há criatura que repouse a mão sobre nossa fronte e nos embale numa música branda e calma. Nosso grito se perde no vazio e quase nos arrependemos de ter gritado: temor dilacerante que vá a acordar novos pesadelos. Precisamos esquecer, temos que esquecer ou a vida se nos converte em tormento e aflição. Estamos perdidos na Noite, e um bafo frio de morte vem percorrer os nossos rostos.

O convívio

E os meus tesouros,
escondidos entre a areia branca dos desertos
e um lodaçal de mangues ensombrados,
findaram.

Retiraram-me a última moeda,
extinguiram-me,
não como o ladrão absconso da noite quieta
mas como a horda bárbara
que marcha, sem regra,
com o alarido que lhe é próprio.

Sobrou-me, não mais,
apenas a memória
do barulho que me fizeram
ao de mim aproximarem-se, gritantes,
estes bárbaros de que vos falo.
Restou-me, de todos meus galeões,
apenas a face, fugidia em minha mente
mas vincada,
daqueles que me despiram e me entregaram,
sem qualquer sensibilidade.
Arrancaram-me tudo,
descreram-me de mim como me havia feito crer.

E por entre os destroços do latrocínio,
sob os indignos escombros do que fui,
ainda pode-se enxergar,
emergindo do areal branco
ou do lamacento mangue que camufla,
o molambo gasto e sujo de minha alma:
signo maior de humanidade.

Dever-ser

É meu dever só andar por linhas tortas.
É a prática perfeita do meu caminhar contínuo,
dos meus passos incertos,
navegar à deriva por entre mares que não são meus;
É a perfeição prática de nunca escolher nada.
Ainda mais que dever,
é o ideal de toda uma vida,
pois é assim que passo o tempo que tenho de passar!

Ah, mas quem me dera ausentar-me disto!
Quem me dera incorrer no erro de tantos
e navegar sem rumo, com a certeza de que é aquele o caminho!
Quem me dera ignorar-me!

Não posso, pois que tenho como único poder
perder-me.

O meu propósito,
se há propósito,
é escrever, em sonho,
os sonhos que não vivo.
Pôr em páginas que ninguém lerá,
não existentes, perfeitas por isto,
o que ponho na alma... e calo.
Se um dia o fizesse,
já então seria santa a minha vida;
Se o fizesse,
já não seria em vão meu sofrimento;
já não seria angústia, nem perda, nem nada,
o meu caminho.

[Escrevo...]

Escrevo, e isto basta.
Desfiz-me dos farrapos de vida que trazia.
Desfiz os desejos, as vontades,
as relações com o que não me relacionei;
desfiz a vida e desfiei-a em luto.

Agora já não me importa o que fiz,
por o que me tomam,
quem dizem eu ser.
Invento a vida da minha própria vida
e minhas vivências são absurdas
entre meus sonhos de papéis.

Estou sozinho, sozinho e feliz,
por saber que invento a vida,
e não que ela inventa a mim.

“13 vezes anteontem”?

O erro que complementa a fuga
E foge para mim em noite álacre,
Num deserto de fogo faz
A carícia desdita do beijo que não me deram.
E eu me perco em minhas mazelas;
(O medo de viver me surpreende!)
E percebo que mais ninguém entende
Nossas vidas e o porquê delas.