quarta-feira, 27 de julho de 2011
Absconso ritual VI
Caravaggio
Estética do Desapego
Beleza, o que seria que me vem?
Nome qualquer que confio ao que agrada,
Se me agrada? Estética de ninguém?
Ou catarse grega experimentada
Como só Narciso concebe bem?
O ideal é que se possa ver
Com olhos longínquos o apresentado.
Bem está em amar e não querer,
Em vigiar para não ser tentado.
Pois a angústia pelo que não consegue
É fado que não há quem o sossegue,
É o desejo inverso a si, fracassado.
---- O que gosto e abdico com destreza
---- É o que se faz presente, se é Beleza.
segunda-feira, 25 de julho de 2011
Absconso ritual V
Metafísica Satânica
Quantas vezes é um sonho possível?
Quantos sonhos são possíveis? Um? Dois?
Quantas vezes ilude-se o visível?
Quantos sonhos ficam para depois?
Oh! respondam-me, poetas malditos!
Digam-me do que é feita a Ilusão!
Eu, louco, que comungo dos seus ritos,
Que escrevo incapaz, com sangue na mão,
Os salmos satânicos que aprendi,
A descrição do inferno em que caí
Desde o dia em que me vi a viver!
Quero que me digam essa verdade:
Se é o sonho ou a realidade
Responsável por eu sempre perder!
segunda-feira, 18 de julho de 2011
Ironia e Humor em Brás Cubas
Machado de Assis é um escritor sem lugar: sua obra não é datada, nem se encaixa nas prateleiras da Escolas literárias. Como sem lugar e não-datado, se o Rio da virada do século XIX para o XX aparece em sua produção com seus morros, seus negros, a rua do Catete e toda aquela “nobre” fidalguia? É sem lugar e não-datado por não se restringir ao retrato do Rio, nem se deixar determinar às cegas pelas regras de estéticas vigentes. A obra é universal e as técnicas empregadas em sua confecção não se limitam às do período do autor: em Brás Cubas observa-se prenúncios do Realismo mágico (haja vista o autor defunto dessas memórias, algo que, mutatis mutandis, seria realizado muito depois por Juan Rulfo em Pedro Páramo) e artifícios outros que só viriam a ser utilizados na segunda metade do século XX (ver capítulo LV, por exemplo). Seu tema não é estático, dado de um momento do processo histórico (como o Naturalismo de Zola e sua fotografia da luta de classe, algo tão estático que o próprio Engels ao autor de Germinal preferia Balzac), é tema volúvel que percorre os tempos, pois é o próprio homem, em sua ruína moral e pessimismo. E o lance de gênio de Machado, neste ponto, consiste na sapiência de não chamar para si o papel do padre velho, com seu dedo admoestador, a recriminar os homens e suas eras, mas, talvez mesmo por certa carga de ceticismos, consiste antes em não opor de chofre valores diversos aos que vão ali se desenhando nos atos dos personagens.
O seu sistema é sutil, opera por via semelhante à comunicação indireta que Kierkegaard utilizou e teorizou em seus textos, e as suas armas não são outras que as do filósofo dinamarquês: o humor e a ironia.
Memórias Póstumas de Brás Cubas, como é próprio de Machado, não é um romance de heróis. Se alguns o criticaram – e curiosamente ainda há os que o criticam – por ter retratado a sociedade branca, culta e fidalga, esquecendo-se dos negros e de onde ele mesmo viera, é porque não compreendem a lição do autor. Como mencionamos, o seu método é similar ao de Kierkegaard, à comunicação indireta. Em linhas gerais, o filósofo dinamarquês concebia a existência dividida em três estádios: o estético, o ético e o religioso. O estético, que é o que aqui nos interessa, é aquele onde se concentram os românticos, criaturas fechadas em si mesmas, que negam a vida saudando a morte em literatura. Para Kierkegaard, a forma de criticá-los e fazer com que “saltem” para o ético, o estádio moral, era dirigir a eles discursos muito semelhantes aos seus, de modo que vissem, por esse distanciamento literário, a sua própria condição refletida.
Se Machado de Assis não se vale de heróis negros, modelos exemplares de uma moral sã, denunciando sem meias palavras a hipocrisia da época, tampouco nos vem com heroínas fidalguias. O seu personagem é um anti-herói e nele carregam-se as cores da falta de moral, do pouco compromisso com o outro e até para com a própria vida, troçando de tudo e de todos, rindo de si mesmo e até do leitor. A crítica do homem branco e rico é o próprio branco e rico quem a faz; a sociedade é criticada por sua própria boca.
A ironia e o humor são marcas correntes: pouco interessa ao autor, Brás Cubas, o agrado ou não do leitor, a obra, em primeira leitura, parece ser o que lhe vale (referimo-nos aqui ao seguinte trecho do prólogo assinado pelo próprio Brás Cubas: “A obra em si mesma é tudo: se te agradou, fino leitor, pago-me da tarefa; se não te agradou, pago-te com um piparote, e adeus”). Mas, detendo-se um pouco nela, pode-se destilar o humor e a ironia machadiana. Ora, se a obra agrada, é porque à maneira de ver de Brás Cubas o leitor fino é “fino” tanto quanto ele, e assim fica a crítica ao que lê, posto a ombros com este anti-herói; se não agrada, se o leitor não compartilha dos desmandos desse “brejeiro”, paga-se com um piparote, pancada que é o quadro da realidade social apresentada na obra. De qualquer forma, o leitor não escapa, e só lhe resta valer-se do humor para encarar o eterno rapaz que foi esse galho da árvore dos Cubas.
sábado, 9 de julho de 2011
Culpa e mal-estar: trecho de Lúcio Cardoso
Lúcio Cardoso, Diário.