"Teu ato mais sublime é colocar outro em sua frente." William Blake

domingo, 3 de abril de 2011

História em V atos - Ato II

Sangro por uma primeira linha. A primeira letra é o primeiro toque, macular o que é branco é compromisso sério demais para que não doa a idéia de começar mal. Por isso, quase nunca, não sei começar. Abrir um texto é, para mim, uma das tarefas mais árduas, uma responsabilidade enorme perante mim e perante o outro. É como nos apaixonamos: os beijos, as carícias, o sexo. Quando nos apaixonamos realmente e, como no meu caso, se tem idéia de quanto se é sujo, sente-se medo de tocar aquela que amamos, medo de deitar-se com ela e, esfregando a sujeira no que julgamos puro no outro, sobe como que o pavor de torná-la tão suja quanto se é.
Lembro-me da primeira vez em que estive com uma mulher. Não, na época não me julgava sujo, pelo contrário, era limpo demais. Tive medo, medo de parecer ridículo, medo de não saber o que fazer das mãos, medo de ter medo demais para sentir verdadeiramente a sua pele. Guardei sempre comigo essa dúvida: terei sido ridículo então? Em momento algum ela reagiu como se eu o tivesse sido, também não reagiu como se eu o não tivesse. Na semana seguinte, N. me disse que estava com outro. Sabia que ela não gostava de mim. Pode ser que eu tenha sido ridículo. Foi então que deixei de brilhar nos serões da varanda; me recolhi, aos poucos e sem sombra de tranquilidade, ao quarto de despejos da minha refletida rejeição.

Nenhum comentário: