"Teu ato mais sublime é colocar outro em sua frente." William Blake

terça-feira, 29 de março de 2011

História em V atos - Ato I

No início, pensei que fosse possível. Houve dia em que julguei ser alguém; houve vez em que quis ser alguém. Lembro-me ainda dos primeiros anos na escola, a certeza de que para mim se reservava um rumo certo, o tempo em que as tias velhas, a família nos serões na varanda, dirigiam benevolentes para mim os olhares e me faziam acreditar em qualquer coisa, em qualquer coisa que poderia ser. Sim, para mim houve um tempo, um tempo futuro que sorvia deitado ao sol, estirado no chão quente de ardósia do terreiro, com os olhos fechados para que o suor para eles não escorresse da testa, e eu me via como o homem que hoje desconheço, completamente apto para o convívio entre os seus.
Todos na vida temos ilusões, o que seria de nós sem elas? E o que a face oculta da memória insiste em esconder no instante tenebroso do presente, não é mais que essa torpes divagaçõezinhas, esses planos do passado que se eclipsaram pela maneira inadaptada que hoje temos, ou ao menos a tenho eu, de lidar com o seu próprio tempo, presente e imediato. Mais que as reprimendas, que as admoestações do passado, que as lutas em que fui terrivelmente esmagado, esses sonhos irrealizados e irrealizáveis me formam, me preenchem o espírito com a angústia de não-ser. Hoje me reconheço como o aborto monstruoso de tudo aquilo que não fui, de tudo aquilo que não sou, e o espelho que toco e me desconhece, grita-me essa verdade pelos olhos perdidos de um rosto que não era para ser o meu.

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