Sangue a banhar um amarelo vivo de primavera morta. Era outono e a ausência do cheiro doce se aliava ao estalar das folhas mortas que caíam para dizê-lo. No chão frio, condizente substrato da manhã muda, jazia um corpo. Branco a reunir todas as cores, repousava na cama sem dossel que a natureza preparara. Salpicadas de sangue as folhas insistiam em manter o silêncio, em guardar o espanto da vida que o sangue morto lhes imprime.
Não haviam pássaros. Criatura alguma se lembrou de entoar um hino àquela que partia não se sabe para onde, nem se realmente partia. O que disse? Não, não posso afirmar que ninguém se lembrou, talvez o silêncio fora necessário: a natureza despedia-se de uma ninfa que se sonhou mulher, e não se chora por verdadeiros deuses. Fato é que ali estava, como uma praia, o corpo de areia branca, fina, a se dizer delgado num mar de sangue. Minuto sem vida, tempo sem espaço. Como num transe ritual os cabelos iam e vinham a dobrarem-se uns sobre os outros, às fórmulas místicas da brisa fria que os embalava: filhos mortos de pagã inexistente.
De vagar, como se não quisesse acordar aquela que talvez só dormia, aurora, a de róseos dedos, já lhe afagava a fronte, cobria seu corpo nu com os tímidos raios a nascer. Sim, era já o cortejo fúnebre que Apolo enviara: aproximavam-se seus filhos a envolver o corpo inteiro de um amarelo dourado [...]. A Terra dava-lhe o leito, frio como o corpo, e o Céu fazia-se-lhe do dossel que não tinha. Alma dos dias que não vêm, agora visitas o Inferno, e pergunto-me se levaste o óbulo ao barqueiro que te espera. Será que te espera? Pode estar em outra parte, cansado de esperar a todos, a ser ele também esperado, como o findar de antigas tradições. O Inferno há de ser frio, e os raios que te cobrem lá não te chegarão. Tens medo? Queres voltar? Não há volta. Paira sobre ti, fantasma de ti mesma, que a terra há de cobrir-te e beber-te o sangue. Amanhã já ninguém lembrará de ti e o lugar onde agora repousas não será mais que outra terra qualquer.
Serena. Linda. De que te serviram beleza e serenidade se iria morrer? O que levaste contigo para além do que não levaste? Apenas sei o que vejo: um corpo novo a apodrecer, o sangue que já coagula, os cabelos que dançam e a moldura natural que envolve tudo isto. Não me importa de onde vem o sangue: morreste. Interessa-me a imagem, e a sensação falsa de ver uma deusa que se perde.
Não haviam pássaros. Criatura alguma se lembrou de entoar um hino àquela que partia não se sabe para onde, nem se realmente partia. O que disse? Não, não posso afirmar que ninguém se lembrou, talvez o silêncio fora necessário: a natureza despedia-se de uma ninfa que se sonhou mulher, e não se chora por verdadeiros deuses. Fato é que ali estava, como uma praia, o corpo de areia branca, fina, a se dizer delgado num mar de sangue. Minuto sem vida, tempo sem espaço. Como num transe ritual os cabelos iam e vinham a dobrarem-se uns sobre os outros, às fórmulas místicas da brisa fria que os embalava: filhos mortos de pagã inexistente.
De vagar, como se não quisesse acordar aquela que talvez só dormia, aurora, a de róseos dedos, já lhe afagava a fronte, cobria seu corpo nu com os tímidos raios a nascer. Sim, era já o cortejo fúnebre que Apolo enviara: aproximavam-se seus filhos a envolver o corpo inteiro de um amarelo dourado [...]. A Terra dava-lhe o leito, frio como o corpo, e o Céu fazia-se-lhe do dossel que não tinha. Alma dos dias que não vêm, agora visitas o Inferno, e pergunto-me se levaste o óbulo ao barqueiro que te espera. Será que te espera? Pode estar em outra parte, cansado de esperar a todos, a ser ele também esperado, como o findar de antigas tradições. O Inferno há de ser frio, e os raios que te cobrem lá não te chegarão. Tens medo? Queres voltar? Não há volta. Paira sobre ti, fantasma de ti mesma, que a terra há de cobrir-te e beber-te o sangue. Amanhã já ninguém lembrará de ti e o lugar onde agora repousas não será mais que outra terra qualquer.
Serena. Linda. De que te serviram beleza e serenidade se iria morrer? O que levaste contigo para além do que não levaste? Apenas sei o que vejo: um corpo novo a apodrecer, o sangue que já coagula, os cabelos que dançam e a moldura natural que envolve tudo isto. Não me importa de onde vem o sangue: morreste. Interessa-me a imagem, e a sensação falsa de ver uma deusa que se perde.
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